25 September, 2006

Avenida dos encontros

Assim passei a chamar a rodovia Pan Americana que segue pela costa do Peru. Pedalei de Tumbes até Lima em uma rodovia linda, toda desértica e com um silêncio que nos faz meditar mesmo pedalando. Algumas vezes, não foi tão linda, pois o vento era muitas vezes insuportável  ao ponto de ter que empurrar a bicicleta mesmo no plano. Mas com paciência e caronas tudo é possível. Além, da sua beleza essa rodovia me presenteou com belos encontros. Desde ciclistas até peregrinos.

Quanto aos encontros, estes foram inesquecíveis  Logo na saída de Tumbes encontrei com um casal francês que esta viajando de bicicleta desde Quito e pretende chegar a Patagônia.  Eu estava me preparando para começar o meu dia, quando vi passando rumo a rodovia dois ciclistas cheio de equipamentos. Quando vejo cenas assim, não perco tempo e vou logo atrás. É sempre uma oportunidade de trocar informações  ou como neste caso, a chance de ter uma companhia na estrada.

Eles eram Sandrine e Damion. Fomos juntos até Mancora. O dia foi um dos mais perfeitos na estrada. A energia de quem esta só a alguns dias na estrada anima qualquer um. Tudo era bonito e diferente para eles. A Sandrine parava a cada 10 minutos para tirar fotos. Tirava fotos de tudo que você possa imaginar.



Interessante, foi perceber que estes meses de viagem já me fizeram um ciclista "experiente". Digo isso, porque passei a ditar o ritmo do dia e coordenar as paradas. Eu que sempre seguia os outros cicloturistas, desta vez estava numa posição inversa. No final da jornada, durante um por do sol inesquecível na praia de Mancora, os dois vieram me agradecer o dia. Parece que bateram o recorde de distância. Percorremos 107 km de pura alegria e energia positiva. Nunca esquecerei este dia.




Eles ficaram em Mancora e eu que tinha pressa para chegar à Lima, fui no dia seguinte rumo a Talara. Incrível, mas a rodovia nesta parte parecia sempre a mesma. Deserto e vento. Perguntando a um caminhoneiro, ele me disse que esta época do ano o vento era realmente mais forte e que depois de Piura o vento às vezes tombava até carros. Isso foi realmente "animador". Se tomba carros, eu e minha parceira então, nem se fala. Chegando a Piura não resisti e peguei um ônibus até Chiclayo. Achei que assim estaria fugindo do vento.




Chiclayo é uma bela cidade, tem bastante coisa interessante para fazer e muitas ruínas para visitar, mas meu cansaço era tanto que dormi às 4h da tarde e não vi nada. Somente à noite aconteceu algo "antropologicamente" interessante. Procurei a Casa de Hospedagem mais barata da cidade. Uma destas hospedagem que chamo carinhosamente de Casa da Dona Baratinha, nem preciso dizer porque. Já estou até me acostumando com esse carinhoso inseto. Bem, já tarde da noite quando bateram na porta. Abri a porta e surgiu uma mulher e me perguntou: "Quer companhia ?" Diante do meu susto, respondi que não, mas curioso continuei na porta acompanhando os passos da mulher. Descobri que era um serviço do tipo "delivery", pois ela seguia de porta em porta. Acho melhor eu subir o nível das minhas hospedagens.



De Chiclayo segui rumo a Trujillo. O vento que pensei ter fugido voltou a me acompanhar. Pedalei umas 4 horas até chegar num posto de gasolina. Lá, vi a imagem do paraíso para um viajante de bicicleta : vários caminhões parados enquanto os seus donos almoçavam. Senti que dali não sairia sem carona. Estou ficando bom nisso. Primeiro fico de longe e vejo qual caminhoneiro parece mais simpático e aberto para uma conversa, então me aproximo e começo a fazer perguntas sobre a estrada. Puxo assunto até o cara me falar : "Você deve estar cansado, não quer uma carona ?"
Pronto, dou um jeito de guardar a parceira e subo no caminhão no melhor estilo "Pedro e Bino" ( Carga Pesada ).

Desta vez o meu anjo da guarda foi o senhor Raul. Ele me ajudou até a entrada para Trujillo, onde o vento parecia cada vez mais forte. A viagem de caminhão foi das mais agradáveis. Acompanhar um caminhoneiro é sempre interessante, pois se escuta historias incríveis,  além de aprender sobre as rodovias do país. O mais interessante da viagem foi o meu trabalho de tradução.  o Sr, Raul colocou uma fita com clássicos de Rock para escutar. A primeira musica foi Winds of Change. Eu querendo agradar, disse que aquela música era interessante para se escutar no deserto, pois falava dos ventos da mudança. AH...para que. Ele gostou e me pediu para traduzir o resto da musica, assim como as outras. Bem , diante de sua alegria não poderia dizer que não tenho inglês suficiente para entender e muito menos espanhol para traduzir. Desta forma, me tornei compositor em alguns minutos, pois usava o que entendia em inglês, traduzia para o que sabia em espanhol e com uma dose de criatividade, inventava uma nova música. Eu sei que isto não é a coisa mais correta, mas diante da alegria do Raul não deu para voltar atrás. Agora ele já "entende" de Scorpions até Queen. Desculpa Raul...fiz o que pude.

                                                   
                                                 Eu e o meu amigo Raul (satisfeito com a "aula de rock")

Desci perto de Trujillo, uns 20 km da entrada da cidade. Dali, Raul pegou um outro caminho fora da Pan Americana e eu desci. Percorri o restante com a parceira e um pouco antes, entrei por acaso numa estradinha que indicava a cidade arqueológica de Chan Chan. Foi uma grande surpresa. A cidade de Chan Chan é a maior cidade construída de barro do mundo. Pertenceu ao povo Moche, que viveu ali 700 anos antes de Cristo. Lugar de beleza e proporções inacreditáveis.

                                                                         Chan Chan

                 
                                                                 Interior da cidade

Depois desta visita, fui para a cidade de Trujillo. Lá me deparei com a bela arquitetura colonial do Peru. Muito bem conservada e colorida. Trujillo foi uma parada bastante agradável. Lá fiquei um dia só para visitar as Huacas ou pirâmides, que lá existem. O mais triste foi perceber que nestas piramides há uma forte referencia ao vento nas suas esculturas, ou seja, o vento já preocupava até os mais antigos. Sinal que eu e minha parceira ainda teríamos muito trabalho.

                                                             
                                                             cidade de Trujillo


Huacas ou pirâmide


Na saída de Trujillo, tive dois grandes encontros. Encontrei um francês que está há 3 anos e meio pedalando pelo mundo. O cara virou meu ídolo. Dei uma crise de tietagem, tirei foto, troquei e-mail e pedi autografo. A  alegria foi tanta que perdi o cartão que ele me deu, assim como esqueci seu nome. Tudo bem, um dia vou ver o herói na televisão. Pelo menos a foto não perdi. Como ele seguia para o norte e eu para o sul, não fomos juntos.


Depois, no mesmo dia, estava eu consertando um furo no pneu da parceira quando passa outro casal viajando de bicicleta. Pararam para me oferecer ajuda, esperaram e seguimos juntos. Fomos ate Chao juntos. Foram outras horas muito agradáveis junto com Bernard e Andrea. Ele alemão e ela equatoriana.




Bernard e Andrea

Bem, no dia seguinte da cidade de Chao fomos juntos por 15 km, depois eles seguiram para as Cordileiras e eu continuei pela costa.

Depois de Chao, segui ate Chimbote. Que cidade é essa ? Lá deve ser a capital mundial da poluicão sonora. Buzina para todo lado, carro, caminhão, taxi, mototaxi, van, onibus, microonibus. Quer um conselho ? Não passe sua Lua de Mel em Chimbote. De enlouquecer. Cheguei um pouco tarde e seguindo os conselhos de um policial não dormi ali. Ele disse que ali tinha muitos assaltos e que era para eu seguir até a próxima cidade. Bem cansado, eu peguei um ônibus até Barranca. Uma bela cidade com bonitas praias.
De Barranca continuei até Huancho, dali até Lima. 100 km antes de Lima, encontrei um peregrino, Ronald, que carrega uma cruz enorme desde o Chile e segue em direção a Piura, norte do Peru. O mais incrível era que ele não faz isso por promessa pessoal, ele disse carregar a cruz por pessoas que não podem fazer o mesmo. Na sua cruz estão pregadas fotos de pessoas que buscam milagres. Uma caminhada altruísta  que faz você acreditar num mundo melhor.


Eu e Ronald

A chega à Lima foi um desafio a paciência. Trânsito louco, onde a falta de educação parece não ter limites. Uma briga entre transportes coletivos por passageiros que fez a Avenida Brasil, do Rio de Janeiro, parecer um boulevard.
Guardei a minha bicicleta na Casa Serena (valeu Bruno, pela indicação)  e segui  pela parte sul do Peru desta vez como simples turista. Fui a Ica, Nazca, Cuzco, Pisac, Urubanba e Machu Pichu.




Linhas de Nazca (foto tirada de dentro de um monomotor)



Cuzco



 Machu Pichu. 


Agora, me preparo para o ultima parte da viagem. Vou seguir de Lima para a selva peruana até Pucalpa, onde pego barcos durante uns 12 dias até Iquitos e Manaus. Vou chegar a 4200 metros na cidade de Cerro Pasco, depois descer ate a Amazônia.
Brasil....esta é minha direção..

10 September, 2006

Lima (drops)

Já estou em Lima...depois de quase duas semanas lutando contra o vento e o deserto da costa peruana. O deserto é lindo, mas não recomendo ninguém pedalar por lá. Dias intensos, com algumas caronas e lindos encontros. O último foi com Ronald, um peregrino que carrega uma cruz de madeira e caminha desde do Chile e vai até Piura. Pura emoção.



Norte do Peru


Ronald, sua cruz e minha parceira.



Boa Sorte, Ronald.


Abraços,
Romulo Magalhães

03 September, 2006

Equador - Peru

Mudanças radicais em 5 dias.
Bem, depois de Riobamba fui de trem até Allausi. Foi uma escolha importante, pois o clima da cidade estava muito ruim. As cinzas do vulcão estavam bastante fortes. O trem foi uma aventura a parte. Esta é uma das ultimas rotas ferroviárias que ainda existem no Equador e tem a finalidade exclusivamente turística. A vigem, para se ter uma ideia, é realizada com os passageiros sentados sobre o vagão.




 Bastante desconfortável, mas com paisagens que fazem você esquecer qualquer coisa. A viagem me adiantou uns 105 km e me reafirmou uma coisa importantíssima: Como é bom ser latino americano! Digo isso, porque na viagem tive a companhia de grupos de alemães e franceses. Incrível. Que silencio, que distância, que coisa chata... Uma viagem como essa cheia de brasileiros seria uma festa só. Mas meus amigos europeus pareciam estar num vagão fúnebre. Sozinho no meio daquele silencio, o jeito foi seguir calado e tirando fotos.



Cheguei na pequena Alausi, onde passei a noite. De Alausi, segui os conselhos do meu amigo Hugo e busquei uma rota alternativa recém asfaltada que me levaria dos Andes até a Costa. Foi um dos dias de pedalada mais mágicos até agora. A rota fazia parte de uma antiga rota inca. Pedalei umas 5 horas praticamente sozinho no meio dos Andes. Simplesmente fantástico. Depois de algumas subidas iniciei uma descida forte até La Troncal. 35 km descendo e passando por pequenos povoados onde eu e minha parceira pareciam assustar as pessoas. Senti que poucas pessoas passavam ali viajando, e menos pessoas de bicicleta. As crianças me olhavam e pareciam não entender o que eu e aquela bicicleta, cheia de mochilas, estávamos fazendo ali. Foi até engraçado.
De La Troncal começou uma rodovia toda plana ate a fronteira com Peru. Pedalei uns 250 km no plano, o que fez os dias renderem bastante.
A mudança foi radical, depois de passar dias pedalando nos Andes, agora eu estava numa costa quente e úmida. Pela rodovia eu tinha ao meu lado plantações de cana e cacau. Eram intermináveis, de perder de vista. O melhor de pedalar ali, foi que a maioria dos trabalhadores do campo usavam bicicleta para se locomover. Ganhei companhia por alguns km. Uns passavam por mim mais rápido e rindo, como se quisessem dizer: Oh...gringo lento....! Eu por vezes tentei acompanhar, mas tenho que admitir que comi poeira a maioria das vezes.



Foi assim, até a fronteira. Passei por Naranjal, Machala e Huaquillas.
Chegou minha décima fronteira. Estava feliz? Não, acho que mais do que isso. Fiquei minutos parado e olhando para o placa que dava boas vindas ao Peru. Beijei a parceira (minha bike) e segui para Tumbes.
Tumbes foi uma boa porta de entrada. Cidade de povo simpático e ruas coloridas. Acho que deveriam fazer uma lei para que só vivessem nas fronteiras pessoas simpáticas e sorridentes, pois isso faz o visitante criar uma imagem positiva do país. Eu, em minutos já adorava o Peru.


O interessante foi que a mudança de fronteira, também garantiu a mudança de clima e vegetação. O clima ficou mais seco e iniciou o deserto que me acompanhará até Lima.
Já escrevo em Trujillo. Como aconteceu muita coisa de Tumbes até aqui,  escrevo em outra oportunidade sobre essa parte, assim como mando fotos.


Que os ventos do deserto me levem para Lima.


Abraços,
Romulo Magalhães