Lima – Pucallpa – Iquitos
Depois de Lima, meu objetivo foi cruzar a Cordilheira dos Andes em direção à selva peruana. Sabia que o desafio seria grande, mas depois de quase duas semanas sem pedalar, me sentia mais forte do que nunca. Sai de Lima e depois de brigar contra o pesado trânsito peruano, cheguei a chamada “Carretera Central”, que me levaria até a capital de província mais alta do Mundo: Cerro de Pasco, situada a 4.300 metros de altitude.
Logo no primeiro dia de retorno, já tive uma agradável surpresa. Em Chosica passei em frente a um bonito templo e atraído pelo lugar, fui conhecer. Ao entrar, descobri que era um templo Hare Krishma, o que aguçou ainda mais minha curiosidade.
Templo de Chosica
Fui entrando de devagar e conheci o Ernesto, estudante de filosofia que estava iniciando sua vida como Hare Krishma. Ele me explicou tudo sobre o templo, me apresentou a algumas pessoas e por fim, fez a pergunta clássica : ‘Onde vai dormir ?” É nestas horas que eu respondo da forma mais clássica : “Não sei, estou procurando, você sabe de um lugar seguro onde posso acampar?” Bem, neste caso, fui convidado para dormir na casa onde os monges ficam enclausurados, estudando as Verdades Védicas. Fantástico!!! Fui recebido muito bem, além de participar do almoço vegetariano e conhecer um pouco mais desta filosofia.
Interior do Templo
Participando da preparação do almoço vegano
O único problema foi dormir, pois as pulgas “Hare Krishma” não são vegetarianas e me deixaram cheio de bolinhas e coçando como louco. Bem, mas a noite não foi longa, pois todos os monges acordam as 3 horas da manhã para iniciar suas orações. Eu, como convidado, também fui acordado e as 4 da manhã já estava dançando e cantando com meus novos amigos. Depois, tivemos aula com o que eles chamam de ‘autoridade” e fomos para a praça da cidade cantar e dançar. Inesquecível.
Hare, hare....
Mais “espiritualizado”, continuei subindo. Meu ritmo caiu para 40 km diários, pois a subida era muito forte. De Chosica, fui a Matucana e San Mateo. Nesta última, meus pulmões não aguentaram Já estava a 3660 metros quando não agüentei mais pedalar. Não existia ar suficiente, ainda mais para um asmático. Um “anjo”, apareceu e me deu uma carona até a cidade mais próxima, La Oroya. Fiquei triste, pois neste trecho não queria pegar carona, mais os 20 km que este senhor me levou foram necessários. Cheguei a um hotel, para tomar um banho de água quente e dormir. Foi muito louco, pois estava tão cansado que não lembro o nome do senhor, só lembro dele e de uma senhora falando: “O gringo está mareado!!!!”
De La Oroya, já recuperado continuei subindo mais um pouco e a 4100 metos cheguei a Junín. Nesta cidade aconteceu algo incrível. Estava eu sentado na praça da cidade, descansando, quando vejo passar o casal ciclista, Bernard e Andrea, o mesmo casal que a 25 dias atrás havia encontrado em Trullijo. Eu não acreditava que aquilo era possível, parecia estar encontrando dois amigos de infância, tamanha a alegria e força dos abraços. Almoçamos juntos e trocamos informações. Agora, eles iam para Lima e eu para Cerro de Pasco, destinos contrários o que foi formidável pois pudemos dividir as experiências.
Reencontro com Bernard e Andrea
A chegada a Cerro Pasco foi um sonho a parte. Cheguei na parte mais alta da “Carretera Central” a 4.360 metros. Eu gritava sozinho, mas confesso que faltava oxigênio. A dor de cabeça era enorme. A sensação era tão ruim que não conseguia nem mesmo memorizar as placas de trânsito. Eu pedalando lia a placa e segundos depois não lembrava o que estava escrito. Mas a vitória de ter chegado tão alto parecia anestesiar tudo.
Próximo a Cerro de Pasco
Cheguei ao topo.
Passei a noite nesta cidade com a temperatura negativa. Dormi com toda a roupa que trazia nas bolsas. A cena era até engraçada. Amanheceu, fui à rua e descobri que ali não existe vida antes das 10 horas da manhã. Voltei para o quarto e esperei o sol dar o sinal de sua graça para poder pensar em pedalar. Comecei meu dia as 11 horas e fui rumo à Huánuco. Que dia delicioso. 90 km de descida. Me despedia dos Andes num dia de sol azul e com uma rodovia cheia de cachoeiras. Simplesmente ali Deus parecia mostrar o quanto vale a pena viver.
Descida dos Andes
Cheguei a Huanuco quase à noite. O clima era dos mais agradáveis possíveis. Não é à toa que seus habitantes defendem o título de melhor clima do Mundo. Eu acho um pouco de pretensão deles, mas não posso descordar que não tinha vontade de sair da rua. Que brisa, que noite. Desta cidade segui para Tingo Maria, primeira cidade da selva peruana. Neste caminho acontece algo bem interessante. Subi um pouco ate 2.200 metros até um túnel chamado Carpish. Neste acontece algo mágico. Pois de um lado está o fim dos Andes, com sua vegetação de serra e do outro lado comecei a sentir o calor da selva e o verde tropical das matas peruanas. Depois de Carpish tem outra descida de tirar o fôlego. Uns 60 km descendo até Tingo Maria.
Nesta cidade comecei a pedalar num novo país. Com clima e gente bem diferentes. Parece que o calor da selva também aquece o coração desta gente. Só para dar um exemplo, logo no primeiro lugar que parei para comer, não paguei a conta, pois um grupo de amigos me viu e pagaram a conta para o “gringo”. Fora isso a cordialidade e a simpatia era sentida à flor da pele.
Depois de Tingo começou a ficar complicado pedalar, pois a rodovia até Pucallpa não existia. Era de terra, mas com muita pedra e buracos. Num determinado momento parei para descansar e parou um rapaz de carro. Começamos a conversar e me disse que a tendência era piorar depois de Aguaytia. Cheguei ate Aguaytia, mas de lá não dava para seguir pedalando. A rodovia deixou de existir.
Estrada precária até Pucallpa
O jeito foi apelar para boa e velha carona. Desta vez consegui com um caminhão. Na carroceria havia três homens e muitos galões vazios. Com passar do tempo perguntei o que transportavam. Para que fui perguntar? Era diesel contrabandeado. Restou-me mudar de assunto, rezar e torcer para a policia não parar a gente.
Carona ilegal.
Deu tudo certo. Cheguei à Pucallpa, onde pegaria o primeiro de muitos barcos até Manaus.
Estes barcos são um capitulo a parte. O primeiro me levou de Pucallpa a Iquitos, três dias navegano pelo Rio Ucayalli. Viajar por estes rios é uma experiência fantástica. Os barcos transportam de tudo: porcos, gado, motos, bananas e junto passageiros que se aglomeram no segundo piso. Dormimos em redes e em horas já fazemos amigos.
Os vizinhos de rede no decorrer dos dias vão se tornando uma família. Neste primeiro barco, Henry II, minha companhia foi senhor Rafael e uma senhora recém viúva com cinco filhos. O senhor Rafael foi um professor.Com a experiência de 40 anos viajando por estes rios, explicava-me tudo sobre rios, peixes e índios. Neste barco pude conhecer o encontro do Rio Maranhão com Ucayalli, dando origem ao Amazonas.
Chegando a Iquitos, dormi na cidade esperando o próximo barco para Tabatinga. Peguei o Gran Diego, rumo ao Brasil. Esta foi uma viagem de três dias, mas cheia de surpresas. Neste conheci um grupo de peruanos que viajavam rumo à Tabatinga para entrar ilegalmente na Guiana Francesa através do Brasil. Neste caso, melhor não citar nomes. Eles eram dois homens, duas senhoras e três garotas. Que Deus os abençoe.
Tenho muito para falar desta viagem, mas o que marcou muito foi a parada que o barco deu no povoado de San Pablo, mesmo lugar onde "Che" Guevara passou uma temporada num leprosário quando fez sua viagem de moto pela America Latina. Fiquei emocionado? Parecia uma criança!!!!
A chegada ao Brasil, minha viagem pelo Rio Solimões e Rio Madeira escrevo depois, pois meu tempo está curto.
BRASIL !!!!! Cheguei !!!!!
Bem, já falo de Rondônia e me sentindo cada vez mais em casa. Por incrível que pareça já encontrei uma amiga na viagem pelo Rio Madeira. Além de amiga, vizinha. "Tia" Maria José mora a 5 quadras da minha casa e nos encontramos em plena Amazônia. Matar saudades de amigos a 3.600 km de casa faz bem para alma.
Meu encontro surreal com tia Maria José
Depois em Porto Velho dormi na casa dos meus primos Marley e Cristina. Ou seja, estou, agora, a 3.300 km da Rua 59, mas já me sinto mais do que nunca em casa.
Recepção na casa dos meus primos.
As fotos, eu acredito ficar devendo por mais 35 dias, quando espero chegar em casa. Entrei em contagem regressiva e pretendo pedalar todos os dias no minimo 100 km, para dia 26 de Novembro chegar em Niteroi....
Abraços...
Romulo Magalhães